quinta-feira, 15 de agosto de 2013





Há largos anos atrás, estava sentada nesta mesma mesa a escrever, só que nessa altura não estava só. Tinha-vos a meu lado, eu pensava que iríamos estar sempre por perto até ao fim dos meus dias.
Foram muitos anos de tranquilidade, amor construído com muita paciência e muita dedicação. Fui uma mulher feliz, fui uma mãe dedicada. Cada dia era um monumento à paz e à harmonia. e posso dizer sem qualquer pudor que era um amor feito só de amor e cheio dele. Eu pensava que haveriam poucas relações assim...
Inevitavelmente separámos-nos: As convenções sociais, as barreiras erguidas pela religião católica, o medo e a culpa sempre presentes na existência dos homens tiveram efeitos devastadores e perversos na construção da génese amorosa; o sexo foi, de uma forma ou de outra, sempre visto como algo proibido, e ainda que atenuado como expressão de um amor, era sempre o amor carnal, a prática de um pecado cujo castigo seria cumprido com a expiação na terra, ou com o bilhete de ida sem volta ao inferno depois da morte. E apesar disso.ou. quem sabe, exactamente por isso, os homens e sobretudo as mulheres nunca desistiram do amor.
Nunca quis desistir do amor. Por isso me deixei levar neste amor por ti.  Mas, será que foi mesmo amor? Não terá sido esta loucura por ti apenas um reflexo do meu pânico perante a realidade que tanto me atormentava?
Quando te vi pela primeira vez, vivia então dias tristes.Tinha morrido o meu tio o então Tutor. Dois filhos lindos e um homem a quem tanto amava
.
Há discussões que, por mais violentas que sejam, sabemos que depois se dissipam como poeira e não deixam marcas.E há outras que mudam para sempre a nossa vida. Troca de palavras que são como diagnóstico de graves doenças; e, o que fica por dizer é pior que tudo o que se disse, mas há um medo tão grande em enfrentar a verdade que se deixa subentendido aquilo que é demasiado duro para ser dito.Apercebi-me logo que a minha relação contigo tinha acabado, que entre nós já não haveria entendimento possivel, que a minha mais bela e certa e segura e tranquila história de amor, a única que tinha vivido como possivel, que não era fruto da minha imaginação delirante ou da minha persistência de camelo no deserto, estava irremediavelmente perdida. 
Foram tantos anos contigo que te dei da minha vida, sonhos, viagens, muitos beijos e muitas conversas, uma vida partilhada que eu julguei ser só minha. Eu, acreditei que irias fazer sempre parte da minha vida, até ao fim. Foste o sossego do meu desassossego e, depois trais-te-o da pior forma.. Começas-te com uma mentira e acabaste com um cento delas.
Naquela tarde terrível de Setembro, sob um calor abrasador, fiquei fechada dentro do carro à porta do teu escritório, sem fazer qualquer movimento, como se o mundo à minha volta, tal como o conhecera contigo, tivesse sido destruído por um intenso terramoto e não tivesse ficado pedra sobre pedra. Durante muitos anos acreditei que eras o único homem para mim que essa ideia se apoderou da minha cabeça, do meu corpo e do meu coração. A repetição dos mesmos gestos acaba por nos impregnar deles. Tudo em mim se habituou a ti; o meu corpo, o meu coração, os meus olhos, o meu sono e a minha vida. Quando me separei de ti, da nossa casa, vi a minha realidade de uma forma irreversível, era como se me arrancassem os membros, sentia-me paralisada, perdida, sem saber para onde ir, assustada e ferida, sem saber acreditar no que me estava a acontecer, mas sobrevivi!... 
Foste o lobo e o cordeiro, magoas-te os teus e os meus e matas-te o meu amor por ti que durou até à morte da minha querida filha.. Hoje, acho que tudo tem um propósito na vida. Desde que me separei de ti, nunca estive disponível para voltar a amar, porque no meu coração estava presente o fogo do único homem que o tinha aberto e nele tinha entrado e ficado apesar dos pesares.. Não te condeno, nem te odeio, nem te quero mal. Apenas abri o meu coração e mandei-te embora. Hoje estou liberta do passado que tive contigo. Estou liberta de ti. 
Lamento ter magoado a quem não devia. Todos nós queremos a verdade. Mas dificilmente haverá alguém para saber lidar com ela. Será pouco entendivel para os demais o que aqui deixo escrito. Mas haverá alguém que ao passar por aqui saberá ao que me refiro..
Nos somos o nosso passado, e ignorá-lo ou esquece-lo é uma forma de cobardia.

Escrito por: Angelina Alves

.

Sem comentários: